Com
os olhos ainda inchados, ela toma intermináveis minutos observando sua imagem
no espelho. Os olhos escuros e felinos, os cabelos bagunçados, o corpo
curvilíneo e imperfeito e as pequenas olheiras que denunciam mais uma noite
inquieta.
Ela
está cansada de se perguntar o que está acontecendo, qual é o problema. Está
cansada de buscar causas e efeitos. Está cansada de imaginar sentimentos
alheios, de criar roteiros em sua cabeça, da vida nesse mundo paralelo dentro
de seus devaneios. Quer sair desse mundo de fantasias e pular para o real, mas
nunca sabe como, não consegue encontrar um caminho que não seja, no fim, um
beco sem saída.
Caminhando
a passos preguiçosos pela cozinha, seus pensamentos não acompanham a calmaria
da manhã, pelo contrário, flamejam mais depressa do que a chama acesa do fogão.
Ela adora pensar que se encontrou em si mesma, mas começa a acreditar que
talvez essa não seja a verdade. Talvez seja apenas um reflexo de sua imensa
vontade e esforço em fazê-lo e no fim ela não passe de uma fraude. Inalando
fundo o cheiro do café que começava a tomar conta do cômodo, ela assentiu para
a voz em sua cabeça, "é isso, eu sou uma fraude".
Ela
era. Não tinha mais dúvidas.
Mostrava-se
sempre tão certa de tudo, quando no fundo não tinha certeza de nada. Em suas
autorreflexões gostava de dizer que o problema era sempre o outro, mas não, o
problema era ela. Era sempre com ela. Afinal, o outro certamente estava
colocando tranquilamente a cabeça no travesseiro e tendo uma noite tranquila de
sono, enquanto ela já havia decorado os limites de cada canto da cama. E após
esse pensamento, tomando um longo gole de café, ela constatou que realmente não
conseguia deixar de criar roteiros e hipóteses sobre tudo. Talvez ela tivesse
mais mente de escritora do que imaginasse – estava sempre criando uma história,
para cada situação, e às vezes até mais de uma.
Várias
hipóteses, várias variáveis, várias histórias, desfechos distintos.
Bufando
para o alto, por um momento ela quis poder ouvir o pensamento dos outros. Ao
menos não viveria nessa ansiedade que não passa nunca, ainda que aparentemente
ela não esteja realmente à espera de algo. Mas no instante seguinte soube que
seria apenas mais uma coisa com a qual ela simplesmente não saberia lidar.
Ao
sair pela porta, o vento frio fazendo-a inconsciente abraçar seu próprio corpo,
enquanto observava o céu lentamente colorir-se de rosa e laranja, dando
boas-vindas a mais um dia que chegava, soube que essa era a sua sina. Soube que,
por mais que isso a deixasse inquieta e insegura, e que por mais que ela talvez
não tivesse se encontrado com ela mesma, sabia quem ela era, como era, e sabia
que assim ela não conseguia deixar de ser.
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texto de julho de 2018